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quinta-feira, 3 de março de 2011

Alguns levantamentos acerca da qualidade de ensino na educação básica do Brasil

Primeiramente é salutar ressaltar que a temática referente à qualidade de ensino no Brasil é complexa, uma vez que abrange várias questões. Esse texto pretende apenas levantar alguns apontamentos sobre qualidade de ensino e democratização do acesso a educação básica, uma vez que a grande inserção das massas populares nas escolas acabou sendo “culpabilizada” pela inferiorização da qualidade de ensino no país. Segundo Celso de Rui Beisegel:


[...] quando se diz que foi por causa da expansão do ensino que se chegou a essa situação de crise no ensino, que a expansão do ensino levou a uma deterioração do ensino, o que estamos dizendo é o seguinte: é preciso tirar da escola essa população que não rende, porque assim nós poderíamos voltar a ter a qualidade anterior... (2005, p.121).


É sabido que a educação teve o seu grande impulso e passou a receber maior importância a partir dos ideais burgueses ditados pela Revolução Francesa no século XVIII, ou como diria Franco Cambi (1999, p. 326): “A educação se torna cada vez mais nitidamente uma (ou a?) chave mestra da vida social”. Afinal, com uma nova organização social se formando é evidente que deva haver uma reestruturação no modo de vida das pessoas e, nesse sentido, a educação torna-se um meio principal para este processo.

Diante disto é notório o papel da educação, a partir do surgimento de uma nova estrutura social: organizar e modelar a sociedade a partir dos ideais daqueles que detém o poder em determinado contexto histórico.

Com a organização social que começava a aparecer, que iria ditar vários preceitos de nossa sociedade moderna, capitalista e liberal (termos como “educação para todos”, “laicização do ensino”, “direitos dos cidadãos”, “igualdade de oportunidades”, utilizados até hoje, embora não com o mesmo sentido) é evidente que havia a necessidade de educação em massa da população, pois a nova ordem necessitava de mão-de-obra para produção, já que este tipo de estrutura social tem como base a exploração no modo de produção e na organização do trabalho nas mais diversas relações sociais.

Como é sabido, no Brasil não foi diferente, já que nossa história é marcada por uma colonização exploratória e escravocrata que dividia a sociedade em grupos sociais desiguais econômica, política e culturalmente. Assim, indivíduos escravizados que viviam marginalizados não tinham direitos a quase nada e com o direito à educação não era diferente: pouquíssimas pessoas tinham acesso à educação.

Werebe apresenta a exclusão educacional existente no século XIX no Brasil:


Ao lado da grande massa de analfabetos, de uns poucos profissionais que exerciam seus ofícios, havia os diplomados, filhos de latifundiários, que usavam seus títulos para atingir posições de prestígio e poder (legislativos e administrativos) ou simplesmente como decoração. As profissões manuais eram completamente desprestigiadas e assim continuaram até nossos dias, donde a pouca atenção era dada ao ensino profissional. [...] O ensino secundário destinava-se exclusivamente aos filhos das famílias mais abastadas e compreendia poucas escolas, quase todas mantidas por particulares. (WEREBE, 1997, p. 33).


Na década de 1930, mesmo ainda sendo dominante o setor agrário, iniciava-se uma série de transformações que vinham ocorrendo de forma lenta e gradual. A urbanização e industrialização vinham se intensificando decorrente das imigrações para as lavouras cafeeiras; as próprias migrações; o investimento dos grandes fazendeiros em indústrias. Sobretudo, é evidente que continuava uma distinção explícita de classes, agora consolidada na orla urbana: os detentores de poder (econômico e político) e o operariado. Com o crescimento da população, há o aumento de reivindicações e a necessidade na modificação de aspectos econômicos, políticos e sociais. A demanda pela educação aumenta, pois surge a necessidade e o interesse em instruir (precariamente) para a obtenção de mão-de-obra e também pelo fato da leitura e escrita serem instrumentos contribuidores para a integração ao ambiente urbano. (RIBEIRO, 1978).

Junto com tais modificações na estrutura macro social do país inclui-se a forma de comportamento e modo de vida na nova organização social que começava a surgir e, novamente, a educação passa a ser pensada como um recurso indispensável para essa nova reestruturação na vida das pessoas.

Desse modo, com o passar dos anos e o avanço da modernidade aliado a esses valores dominantes criou-se a idéia de que a escolarização seria o único meio de conquista do status e mobilidade social.

Esse ideário, na verdade, é o que mantém a estrutura social como ela está posta, na medida em que se prega o pensamento de que todos podem lutar igualmente por aquilo que apenas poucos alcançarão. Só que isso é irreal, pelo menos enquanto vivermos em uma sociedade que tem em seu cerne a desigualdade.

Nesse sentido, a escola garante os meios de tentativa em competir por um emprego, para que, pelo menos as pessoas consigam manter o nível sócio-econômico em que estão, para com isso ir sobrevivendo de maneira que, com o tempo isso passa a ser natural, assim como se torna natural a eterna busca por dias melhores.

Enfim, o que ocorre é que quando a grande massa da população começa a ter acesso à educação básica primária, a elite começa alcançar níveis mais altos de modalidades educacionais buscando se diferenciar e buscar as estratégias necessárias para obter as mais altas e prestigiadas posições no cenário social.

Diante dessa estratégia política, a qualidade de ensino no Brasil vai perdendo o seu valor quando a educação começa a ser ofertada para as grandes massas. Ou seja, não é mais importante a educação boa e requintada, mas uma educação que supra as deficiências até então vistas como regressões ao país, como é o caso do analfabetismo.

Como revela Lourenço Filho:


As influências do analfabetismo na vida geral de uma região, ou de todo um país, não carecem de ser salientadas, tanto são evidentes. Sem o comércio pronto de idéias, incapacitado de reajustar seus padrões de cultura às exigências da vida moderna, peiado por superstições de toda a sorte, na luta contra a doença e na aquisição de novas técnicas do trabalho, o iletrado é obstáculo ao progresso. (2000, p. 11).


Embora os índices do analfabetismo venham reduzindo, segundo pesquisas, um aspecto notório diz respeito ao movimento estático da exclusão. Se, há tempos atrás, o problema da exclusão educacional acontecia pela não inserção dessas pessoas na escola, atualmente, essa situação ocorre em seu interior, com aquilo que denominamos de inclusão excludente. Desse modo, além da preocupação com aqueles que não obtiveram a escolarização na faixa etária apropriada, há ainda pessoas que adentram no sistema formal de ensino quando crianças, mas que percorrem toda esta escolarização sem aprender a ler e a e escrever ou quando aprendem é de maneira precária, a tal ponto de não conseguirem ler e interpretar um texto que, ao meu modo de conceber a educação, também não foram escolarizadas, ainda que sejam consideradas alfabetizadas por terem perpassado a trajetória escolar. Segundo Magda Soares “o analfabeto é aquele que não pode exercer em toda sua plenitude seus direitos de cidadão, é aquele que a sociedade marginaliza, é aquele que não tem acesso aos bens culturais de sociedades letradas...”. (1998, p. 20 apud SOARES, L., 2002, p. 212).

Nesse sentido embora haja quase a totalidade de crianças e jovens inseridas nas escolas, ainda há taxas altíssimas de analfabetos funcionais e a isso se deve a qualidade do ensino.

Desse modo, a qualidade de ensino não é culpa das massas que adentraram no interior da escola, mas perpassa por um processo histórico de dualidade da educação no Brasil que sempre existiu. Paulo Freire escreve a esse respeito:


[...] esta sociedade dual (senhor x escravo), de economia agrícola-exportadora-dependente (economia colonial) não necessitava da educação primária. Precisava tão-somente organizar e manter a instrução superior para uma elite que se encarregaria da burocracia do Estado, com o fim de perpetuar seus interesses e cujo diploma referendava a posição social, política e econômica a quem o possuía e a seus grupos de iguais. Garantiam-se através da educação, as relações sociais de produção e, portanto, o modo de produção escravista e o analfabetismo. (FREIRE apud CASÉRIO, 2004, p. 14).


Um pouco mais adiante, no período compreendido entre as décadas de 1940 a 1960, Beisegel (2005, p. 36) nos diz que “o acesso aos níveis mais avançados de instrução ainda aparece como privilégio de uma pequena minoria de indivíduos.”

Diante disso, é interessante pensar que a qualidade do ensino tem um processo fortemente ligado ao da democratização, assim como está intimamente ligado ao novo ideário da nossa sociedade moderna e contemporânea. Diante deste ideário, a educação passa a ter novo significado para a sociedade e a sociedade passa a dar novos significados para a escola e à educação. E aí está toda a complexidade da temática em questão, pois adentram nesse âmbito várias atribuições, como por exemplo, a valorização do professor e da escola pelos diversos segmentos sociais: família, aluno, governantes etc.

Diante de tudo que foi exposto, a qualidade de ensino Brasil deve ser pensada sob diversos aspectos, mas principalmente às questões das mudanças nos valores sociais atuais que se refletem na instituição escolar e à dualidade do ensino no país que sempre foi um ponto crucial nas discussões acerca da educação, seja pelo viés da exclusão e atualmente pela inclusão excludente, uma vez que, mesmo os sujeitos estando inseridos no ambiente escolar não conseguem aprender o básico como a leitura e a escrita.

E esse é o papel da escola. É responsabilidade da escola propagar todas as formas de cultura (conjunto de simbologias e conhecimento) e permitir que o sujeito interfira em seu meio transformando a cultura já existente (produzindo conhecimento).

Portanto, cabe à escola enquanto instituição social, se desvencilhar dos ideais desiguais impostos pelo poder reinante, procurando formas de democratizar a cultura em seu interior como uma maneira de contribuição com a luta dos indivíduos nos espaços sociais.


REFERÊNCIA


BEISEGEL, C. R. A qualidade do ensino na escola pública. Brasília: Líber Livro Editora, 2005.


CAMBI, F. História da Pedagogia. Tradutor Álvaro Lorencini. São Paulo: Unesp, 1999.


CASÉRIO, V. M.R. Uma visão histórica da Educação de Jovens e Adultos no Brasil. In: CASÉRIO, V. M.R.; BARROS, D. M.V. (Orgs.) Educação de Jovens e Adultos na sociedade da informação e do conhecimento: tecnologias e inovações. Bauru, S.P: Corações e Mentes, 2004. cap. I, p. 13-44.


LOURENÇO FILHO. O problema da educação de adultos. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. INEP/Brasília, vol. 81, p. 116-127, jan./abril. 2000.


RIBEIRO, M. L. S. História da educação brasileira: a organização escolar. São Paulo: Cortez & Moraes, 1978.


SOARES, L. J. G. As políticas de EJA e as necessidades de aprendizagem dos jovens e adultos. In: RIBEIRO, V. M. Educação de jovens e adultos: novos leitores, novas leituras. Campinas, S.P: Mercado das Letras; São Paulo: Associação de Leitura do Brasil, 2001, p. 201-223.


WEREBE, M. J. G. Grandezas e Misérias do ensino no Brasil: 30 anos depois. 2. ed. São Paulo: Ática, 1977.

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