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terça-feira, 8 de março de 2011

O jogo simbólico da dominação masculina





"Também sempre vi na dominação masculina, e no modo como é imposta e vivenciada, o exemplo por excelência desta submissão paradoxal, resultante daquilo que eu chamo de violência simbólica, violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento, ou em última instância, do sentimento. Essa relação social extraordinariamente ordinária oferece também uma ocasião única de apreender a lógica da dominação, em nome de um princípio simbólico conhecido e reconhecido tanto pelo dominante quanto pelo dominado, de uma língua (ou uma maneira de falar), de um estilo de vida (ou uma maneira de pensar, falar ou agir) e, mais geralmente, de uma propriedade distintiva, emblema ou estigma, dos quais o mais eficiente simbolicamente é essa propriedade corporal inteiramente arbitrária e não predicativa que é a cor da pele." (BOURDIEU, 2002, p.3-4)

"Como estamos incluídos, como homem ou mulher, no próprio objeto que nos esforçamos por apreender, incorporamos, sob a forma de esquemas inconscientes de percepção e de apreciação, as estruturas históricas de ordem masculina, arriscamo-nos, pois, a recorrer, para pensar a dominação masculina, a modos de pensamento que são eles próprios produto da dominação." (BOURDIEU, 2002, p.6)



Hoje é um dia em que aparecerá vários textos sobe a questão de gênero e a relação das mulheres em nossa sociedade. Desse modo, postarei apenas um vídeo de Pierre Bourdieu em que comenta acerca de seu livro "A Dominação Masculina" para aqueles que tem o desejo de aprofundar-se na temática.
Há ainda um outro filme/documentário de Pierre Carles sobre Pierre Bourdieu intitulado 'A Sociologia é um esporte de combate" em que ele também discorre sobre "A Dominação Masculina". Caso alguém tenha interesse, segue link: http://www.cineconhecimento.com/2010/08/a-sociologia-e-um-esporte-de-combate/

segunda-feira, 7 de março de 2011

TAPETE VERMELHO


Um filme que retrata o modo de vida denominado caipira e as crendices populares. Vale a pena assistir, pois o filme nos mostra o quanto a cultura rural ou aquela que difere do modo de vida urbano é desvalorizada.

FICHA TÉCNICA


DIRETOR
Luiz Alberto Pereira
LANÇAMENTO 2006
PAÍS DE ORIGEM Brasil
IDIOMA ÁUDIO Português
DURAÇÃO 110 min




Link filme: www.cineconhecimento.com/2011/03/tapete-vermelho/

quinta-feira, 3 de março de 2011

Filósofo de Botequim?

Escrevi o texto abaixo logo após um debate ocorrido em outubro de 2010 na ESALQ – Piracicaba como uma iniciativa para que os alunos tivessem mais um recurso para pensar e refletir sobre o voto nas últimas eleições para presidência, especialmente no segundo turno. O mesmo escrito foi enviado para o Jornal de Piracicaba para que fosse publicado na seção denominada “Leitor”. O jornal alegou que este texto estava longo e que eu tinha que editá-lo para que fosse publicado, mas quem lê o Jornal sabe que existem textos muito mais longos que o meu que já foram publicados. Sabemos, por fim, que ele não foi publicado porque vai contra um partido e até mesmo um governo que venceu as últimas eleições municipais em Piracicaba com 89% dos votos e também pelo fato de nossa querida cidade ter sido eleita a que teve o maior número de votos no Brasil ao candidato do PSDB nas últimas eleições presidenciais... Não há dúvidas sobre o conservadorismo de nosso querido município. Mas fica aí, meu texto registrado, para que possamos pensar sobre o futuro de Piracicaba nas próximas eleições.


Filósofo de Botequim?


Embora com o voto já decidido participei do debate promovido pelo CALQ na ESALQ (20/10/2010) com os convidados Gabriel Ferrato representando o PSDB e Antonio O. Storel Jr. o PT. Enfim, após autoritarismo, arrogância, prepotência e por que não dizer até desrespeito por parte do então Secretário da Educação em Piracicaba Ferrato acredito que tenha ficado claro a grande diferença do projeto político dos dois partidos para o país, principalmente no tocante à educação. Segundo Gabriel, o PSDB de Serra, Alckmin e do prefeito Barjas Negri defende a ampliação das escolas técnicas, pois o Brasil precisa de mão de obra técnica e qualificada para os meios de produção. Segundo suas palavras: “Para quê nível superior? É necessário qualquer formação. Falo enquanto formado que sou, tenho estudo. Vamos por o pé no chão. Educação superior para virar filósofo de botequim?. Essa gente precisa de qualificação técnica.” Essa gente como o próprio secretário disse não precisa ter estudo como ele teve, para que não seja possível almejar cargos como os dele. Cargos que tem poderes decisórios frente a questões tão importantes como a Educação. Foi triste o modo como todos fomos tratados pelo secretário que se julga um desses filósofos de botequim e que defende a política do PSDB para que os indivíduos não consigam adquirir conhecimentos que os permitam pensar e perceber as barbaridades que foram por ele proferidas durante o debate. Barbaridades como dizer que o FUNDEF e o FUNDEB são a mesma coisa, ou então dizer a farsa de que o município não adota a progressão continuada. Não adota mesmo Gabriel, pois a política adotada é pior, é a da aprovação automática. Os alunos repetem somente por falta, e mesmo assim criam-se mecanismos de trabalhos com os alunos para que eles não permaneçam na mesma série. Digo isso porque fui professora da rede municipal de ensino na atual gestão. Espero que esta carta auxilie os leitores a refletirem sobre o voto e para que possamos continuar a formar não só filósofos de botequim, mas também formadores de opinião e seres humanos portadores de conhecimento que possam disputar posições que contribuam com as tomadas de decisões do país e não somente mão de obra qualificada para os meios de produção, muito menos massa de manobra das velhas elites.

Alguns levantamentos acerca da qualidade de ensino na educação básica do Brasil

Primeiramente é salutar ressaltar que a temática referente à qualidade de ensino no Brasil é complexa, uma vez que abrange várias questões. Esse texto pretende apenas levantar alguns apontamentos sobre qualidade de ensino e democratização do acesso a educação básica, uma vez que a grande inserção das massas populares nas escolas acabou sendo “culpabilizada” pela inferiorização da qualidade de ensino no país. Segundo Celso de Rui Beisegel:


[...] quando se diz que foi por causa da expansão do ensino que se chegou a essa situação de crise no ensino, que a expansão do ensino levou a uma deterioração do ensino, o que estamos dizendo é o seguinte: é preciso tirar da escola essa população que não rende, porque assim nós poderíamos voltar a ter a qualidade anterior... (2005, p.121).


É sabido que a educação teve o seu grande impulso e passou a receber maior importância a partir dos ideais burgueses ditados pela Revolução Francesa no século XVIII, ou como diria Franco Cambi (1999, p. 326): “A educação se torna cada vez mais nitidamente uma (ou a?) chave mestra da vida social”. Afinal, com uma nova organização social se formando é evidente que deva haver uma reestruturação no modo de vida das pessoas e, nesse sentido, a educação torna-se um meio principal para este processo.

Diante disto é notório o papel da educação, a partir do surgimento de uma nova estrutura social: organizar e modelar a sociedade a partir dos ideais daqueles que detém o poder em determinado contexto histórico.

Com a organização social que começava a aparecer, que iria ditar vários preceitos de nossa sociedade moderna, capitalista e liberal (termos como “educação para todos”, “laicização do ensino”, “direitos dos cidadãos”, “igualdade de oportunidades”, utilizados até hoje, embora não com o mesmo sentido) é evidente que havia a necessidade de educação em massa da população, pois a nova ordem necessitava de mão-de-obra para produção, já que este tipo de estrutura social tem como base a exploração no modo de produção e na organização do trabalho nas mais diversas relações sociais.

Como é sabido, no Brasil não foi diferente, já que nossa história é marcada por uma colonização exploratória e escravocrata que dividia a sociedade em grupos sociais desiguais econômica, política e culturalmente. Assim, indivíduos escravizados que viviam marginalizados não tinham direitos a quase nada e com o direito à educação não era diferente: pouquíssimas pessoas tinham acesso à educação.

Werebe apresenta a exclusão educacional existente no século XIX no Brasil:


Ao lado da grande massa de analfabetos, de uns poucos profissionais que exerciam seus ofícios, havia os diplomados, filhos de latifundiários, que usavam seus títulos para atingir posições de prestígio e poder (legislativos e administrativos) ou simplesmente como decoração. As profissões manuais eram completamente desprestigiadas e assim continuaram até nossos dias, donde a pouca atenção era dada ao ensino profissional. [...] O ensino secundário destinava-se exclusivamente aos filhos das famílias mais abastadas e compreendia poucas escolas, quase todas mantidas por particulares. (WEREBE, 1997, p. 33).


Na década de 1930, mesmo ainda sendo dominante o setor agrário, iniciava-se uma série de transformações que vinham ocorrendo de forma lenta e gradual. A urbanização e industrialização vinham se intensificando decorrente das imigrações para as lavouras cafeeiras; as próprias migrações; o investimento dos grandes fazendeiros em indústrias. Sobretudo, é evidente que continuava uma distinção explícita de classes, agora consolidada na orla urbana: os detentores de poder (econômico e político) e o operariado. Com o crescimento da população, há o aumento de reivindicações e a necessidade na modificação de aspectos econômicos, políticos e sociais. A demanda pela educação aumenta, pois surge a necessidade e o interesse em instruir (precariamente) para a obtenção de mão-de-obra e também pelo fato da leitura e escrita serem instrumentos contribuidores para a integração ao ambiente urbano. (RIBEIRO, 1978).

Junto com tais modificações na estrutura macro social do país inclui-se a forma de comportamento e modo de vida na nova organização social que começava a surgir e, novamente, a educação passa a ser pensada como um recurso indispensável para essa nova reestruturação na vida das pessoas.

Desse modo, com o passar dos anos e o avanço da modernidade aliado a esses valores dominantes criou-se a idéia de que a escolarização seria o único meio de conquista do status e mobilidade social.

Esse ideário, na verdade, é o que mantém a estrutura social como ela está posta, na medida em que se prega o pensamento de que todos podem lutar igualmente por aquilo que apenas poucos alcançarão. Só que isso é irreal, pelo menos enquanto vivermos em uma sociedade que tem em seu cerne a desigualdade.

Nesse sentido, a escola garante os meios de tentativa em competir por um emprego, para que, pelo menos as pessoas consigam manter o nível sócio-econômico em que estão, para com isso ir sobrevivendo de maneira que, com o tempo isso passa a ser natural, assim como se torna natural a eterna busca por dias melhores.

Enfim, o que ocorre é que quando a grande massa da população começa a ter acesso à educação básica primária, a elite começa alcançar níveis mais altos de modalidades educacionais buscando se diferenciar e buscar as estratégias necessárias para obter as mais altas e prestigiadas posições no cenário social.

Diante dessa estratégia política, a qualidade de ensino no Brasil vai perdendo o seu valor quando a educação começa a ser ofertada para as grandes massas. Ou seja, não é mais importante a educação boa e requintada, mas uma educação que supra as deficiências até então vistas como regressões ao país, como é o caso do analfabetismo.

Como revela Lourenço Filho:


As influências do analfabetismo na vida geral de uma região, ou de todo um país, não carecem de ser salientadas, tanto são evidentes. Sem o comércio pronto de idéias, incapacitado de reajustar seus padrões de cultura às exigências da vida moderna, peiado por superstições de toda a sorte, na luta contra a doença e na aquisição de novas técnicas do trabalho, o iletrado é obstáculo ao progresso. (2000, p. 11).


Embora os índices do analfabetismo venham reduzindo, segundo pesquisas, um aspecto notório diz respeito ao movimento estático da exclusão. Se, há tempos atrás, o problema da exclusão educacional acontecia pela não inserção dessas pessoas na escola, atualmente, essa situação ocorre em seu interior, com aquilo que denominamos de inclusão excludente. Desse modo, além da preocupação com aqueles que não obtiveram a escolarização na faixa etária apropriada, há ainda pessoas que adentram no sistema formal de ensino quando crianças, mas que percorrem toda esta escolarização sem aprender a ler e a e escrever ou quando aprendem é de maneira precária, a tal ponto de não conseguirem ler e interpretar um texto que, ao meu modo de conceber a educação, também não foram escolarizadas, ainda que sejam consideradas alfabetizadas por terem perpassado a trajetória escolar. Segundo Magda Soares “o analfabeto é aquele que não pode exercer em toda sua plenitude seus direitos de cidadão, é aquele que a sociedade marginaliza, é aquele que não tem acesso aos bens culturais de sociedades letradas...”. (1998, p. 20 apud SOARES, L., 2002, p. 212).

Nesse sentido embora haja quase a totalidade de crianças e jovens inseridas nas escolas, ainda há taxas altíssimas de analfabetos funcionais e a isso se deve a qualidade do ensino.

Desse modo, a qualidade de ensino não é culpa das massas que adentraram no interior da escola, mas perpassa por um processo histórico de dualidade da educação no Brasil que sempre existiu. Paulo Freire escreve a esse respeito:


[...] esta sociedade dual (senhor x escravo), de economia agrícola-exportadora-dependente (economia colonial) não necessitava da educação primária. Precisava tão-somente organizar e manter a instrução superior para uma elite que se encarregaria da burocracia do Estado, com o fim de perpetuar seus interesses e cujo diploma referendava a posição social, política e econômica a quem o possuía e a seus grupos de iguais. Garantiam-se através da educação, as relações sociais de produção e, portanto, o modo de produção escravista e o analfabetismo. (FREIRE apud CASÉRIO, 2004, p. 14).


Um pouco mais adiante, no período compreendido entre as décadas de 1940 a 1960, Beisegel (2005, p. 36) nos diz que “o acesso aos níveis mais avançados de instrução ainda aparece como privilégio de uma pequena minoria de indivíduos.”

Diante disso, é interessante pensar que a qualidade do ensino tem um processo fortemente ligado ao da democratização, assim como está intimamente ligado ao novo ideário da nossa sociedade moderna e contemporânea. Diante deste ideário, a educação passa a ter novo significado para a sociedade e a sociedade passa a dar novos significados para a escola e à educação. E aí está toda a complexidade da temática em questão, pois adentram nesse âmbito várias atribuições, como por exemplo, a valorização do professor e da escola pelos diversos segmentos sociais: família, aluno, governantes etc.

Diante de tudo que foi exposto, a qualidade de ensino Brasil deve ser pensada sob diversos aspectos, mas principalmente às questões das mudanças nos valores sociais atuais que se refletem na instituição escolar e à dualidade do ensino no país que sempre foi um ponto crucial nas discussões acerca da educação, seja pelo viés da exclusão e atualmente pela inclusão excludente, uma vez que, mesmo os sujeitos estando inseridos no ambiente escolar não conseguem aprender o básico como a leitura e a escrita.

E esse é o papel da escola. É responsabilidade da escola propagar todas as formas de cultura (conjunto de simbologias e conhecimento) e permitir que o sujeito interfira em seu meio transformando a cultura já existente (produzindo conhecimento).

Portanto, cabe à escola enquanto instituição social, se desvencilhar dos ideais desiguais impostos pelo poder reinante, procurando formas de democratizar a cultura em seu interior como uma maneira de contribuição com a luta dos indivíduos nos espaços sociais.


REFERÊNCIA


BEISEGEL, C. R. A qualidade do ensino na escola pública. Brasília: Líber Livro Editora, 2005.


CAMBI, F. História da Pedagogia. Tradutor Álvaro Lorencini. São Paulo: Unesp, 1999.


CASÉRIO, V. M.R. Uma visão histórica da Educação de Jovens e Adultos no Brasil. In: CASÉRIO, V. M.R.; BARROS, D. M.V. (Orgs.) Educação de Jovens e Adultos na sociedade da informação e do conhecimento: tecnologias e inovações. Bauru, S.P: Corações e Mentes, 2004. cap. I, p. 13-44.


LOURENÇO FILHO. O problema da educação de adultos. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. INEP/Brasília, vol. 81, p. 116-127, jan./abril. 2000.


RIBEIRO, M. L. S. História da educação brasileira: a organização escolar. São Paulo: Cortez & Moraes, 1978.


SOARES, L. J. G. As políticas de EJA e as necessidades de aprendizagem dos jovens e adultos. In: RIBEIRO, V. M. Educação de jovens e adultos: novos leitores, novas leituras. Campinas, S.P: Mercado das Letras; São Paulo: Associação de Leitura do Brasil, 2001, p. 201-223.


WEREBE, M. J. G. Grandezas e Misérias do ensino no Brasil: 30 anos depois. 2. ed. São Paulo: Ática, 1977.

terça-feira, 1 de março de 2011

O gosto ou senso estético como princípio de classificação para Pierre Bourdieu

Para Bourdieu, os agentes sociais tanto se aproximam como se afastam entre si por meio do que ele denomina disposições*, ou seja, um conjunto de regras (quase sempre inconscientes) que definem todo tipo de gosto e comportamento, assim como sua visão de mundo. São estas disposições que guiam o ser, o estar e o agir no mundo. Mas tais disposições são tão arraigadas em nosso corpo que se apresentam como uma segunda natureza, e os indivíduos não percebem que essas disposições são de ordem cultural.

Portanto, não há nada que distinga tão rigorosamente as diferentes classes quanto à disposição objetivamente exigida pelo consumo legítimo das obras legítimas, a aptidão para adotar um ponto de vista propriamente estético a respeito de objetos já constituídos esteticamente – portanto, designados para a admiração daqueles que aprenderam a reconhecer os signos do admirável – e, o que é ainda mais raro, a capacidade para constituir esteticamente objetos quaisquer ou, até mesmo, “vulgares” (por terem sido apropriados, esteticamente ou não, pelo “vulgar”) ou aplicar princípios de uma estética “pura” nas escolhas mais comuns da existência comum, por exemplo, em matéria de cardápio, vestuário ou decoração da casa. (BOURDIEU, 2008, p.42)


Segundo Bourdieu, o gosto – ou o senso estético – é um dos responsáveis pela distinção das classes no espaço social. Desse modo, a disposição estética, por meio da expressão distintiva, une e separa as pessoas em grupos sociais. Une as pessoas em relação a condicionamentos de uma classe particular por condições de existência. E separa, distinguindo-se de todos os outros que não compartilham as mesmas condições, uma vez que o gosto é o princípio de tudo que se tem, que se é, tanto para classificar como para ser classificado (BOURDIEU, 2008).

Assim, o gosto é uma prática que carrega a diferença como algo inevitável. É uma prática que distingue as classes. Isso se torna plausível se pensarmos na aversão existente entre os diferentes estilos de vida, que acabam se tornando barreiras entre alguns grupos sociais, ou até mesmo a tentativa de homogeneização entre diferentes culturas em uma mesma sociedade, como ocorreu no Brasil em consequência da modernização, oposição e até mesmo inferiorização da cultura rural diante do modo de vida urbano.

A “ideologia urbana”, além de contrapor a diferença entre os modos de vida, classificava e desvalorizava a cultura rural como retrocesso e atraso ao país. Segundo Martins (1975, p. 4),

A contrapartida, a redefinição cultural ligada à constituição de uma sociedade centrada nos valores urbanos, levou rapidamente à distinção valorativa, também, entre o rural e o urbano. A afirmação da existência urbana, ainda que anômica, exprimiu-se culturalmente na construção de estereótipos, alguns negativos, do homem rural. A figura do caipira tem reafirmadas e atualizadas, nessa fase, as suas conotações fundamentais: ingênuo, preguiçoso, desnutrido, doente, maltrapilho, rústico, desambicioso, etc.

Ainda no que concerne ao gosto, Bourdieu revela que o gosto “puro” por objetos de arte são definidos pela percepção da forma e não da sua função. E ainda, a apreensão e apreciação da obra dependem também da intenção do espectador a qual por sua vez, é função das normas convencionais que regulam a relação com a obra de arte em determinada situação histórica e social; e, ao mesmo tempo, da aptidão do espectador para conformar-se a essas normas, portanto de sua formação artística. (2008, p. 33). Em outras palavras, a ideal percepção “pura” das obras de arte é resultado dos padrões que regem e legitimam o próprio campo artístico.

Desse modo, o gosto “puro” que advém da estética dominante se opõe ao gosto “bárbaro” que é nutrido pela estética popular. Isso porque, a estética popular pressupõe preceitos não aceitáveis pela estética dominante como: a participação individual do espectador, a apreensão confusa ao que se refere às formas nas obras de arte, aquisição de satisfações diretas e imediatas, ingenuidade dos espectadores (identificação com personagens, seus sofrimentos e alegrias etc), o reconhecimento apenas da representação realista e submissa dos objetos por sua beleza ou importância.
Mas, o fator de maior relevância que, acaba por culminar nos preceitos expostos acima, está na relação entre forma/função, prazer/desinteresse. A partir de uma estética antikantiana que distingue o “que agrada” e o que “dá prazer”, o autor pontua que a estética dominante é aquela que não pode ter como intenção o interesse em descobrir as funcionalidades dos objetos de arte e nem propiciar sensações, ou seja, está baseado no desinteresse, pois este é o único fator que garante a qualidade estética da contemplação.
A disposição estética leva em consideração apenas o modo de representação, o estilo percebido e apreciado pela comparação a outros estilos. (2008, p.54). Portanto, há normas de produção dentro da classe estética dominante que segue referências estéticas de outras produções já feitas durante outros períodos históricos, principalmente no que tange às formas das obras de arte. Os próprios artistas, que são submetidos quanto a escolha dos objetos criam maneiras de adquirir certo diferencial quanto à forma, cor ou perspectiva, mas sempre dentro de um certo padrão exigido no interior do campo artístico. Portanto, é factível pressupor que as qualidades reconhecidas dentro da estética dominante são produtos de um sistema de classificação dentro do próprio campo.
Sendo assim, a estética dominante tem como pressuposto a arte desinteressada, ou seja, é necessário que haja uma significação que transcenda ao objeto, como uma forma de autonomizar o objeto da imagem e vice-versa. Nesse sentido, somente os membros da classe dominante, que identificam o objeto representado, conseguem ter autonomia sobre o julgamento do objeto sobre a forma em relação ao seu conteúdo. (2008, p.48).
A arte, dentro da estética dominante, não pode ser objeto de interesse, por isso pressupõe-se que seja necessário haver um distanciamento do mundo, da experiência mundana, pois quanto maior for a distância objetiva da necessidade, maior a “estilização da vida” (termo weberiano). O mesmo ocorre com o poder econômico, que tem de ser colocado à distância da necessidade econômica – com gastos ostentatórios, desperdício, luxo gratuito (2008, p.55) para que seja uma prática de vida distinta de outras classes.
Mas o privilégio em relação a “estilização da vida” é reservado à burguesia (classe dominante e aos artistas). Às classes dominadas cabe ser o ponto de referência negativo no jogo da disposição estética. Desse modo, “as artes de viver dominadas (...) são quase sempre percebidas, por seus próprios defensores, do ponto de vista destruidor ou redutor da estética dominante.” (2008, p.49). As classes médias também recusam seus objetos favoritos e de seus grupos mais próximos no espaço social como forma de distinção e procura adquirir formas no estilo de vida que represente os grupos privilegiados, já que são estas representações que tem mais valor na sociedade.

* Segundo Bourdieu, disposições são um conjunto de regras, incorporadas de maneira inconsciente pelas pessoas (por isso são naturalizadas), que perpassam pelos setores éticos, estéticos, cognitivos e físicos. Exemplo são as disposições linguísticas, sexuais, religiosas, estéticas que carrega a nossa visão de mundo e o nosso posicionamento nele. As disposições produzem a nossa identidade e são adquiridas por meio de experiências e também em instituições sociais, como a família e a escola.

BOURDIEU, P. Introdução e Capítulo I. In: _________. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 2008.

MARTINS, J. S. Capitalismo e Tradicionalismo: estudos sobre as contradições da sociedade agrária no Brasil. São Paulo: Pioneira: 1975.